Antigo Egito

Patologista pesquisa as transformações do corpo humano através das múmias

Graça Magalhães-Ruether / BERLIM – O patologista suíço Frank Rühli, diretor do Centro de Medicina Evolucionária da Universidade de Zurique, já examinou mais de 50 múmias do Egito antigo — incluindo a de Ötzi, múmia das geleiras dos Alpes, do Irã e do Peru. Os resultados divulgados esta semana de sua pesquisa sobre Tutancâmon, tiveram grande impacto: o faraó egípcio teria morrido aos 19 anos de causa desconhecida e não de uma pancada no crânio, como se acreditava.

Mas o cientista tem metas ainda mais ambiciosas. Com a ajuda de métodos modernos, como a ressonância magnética e exames genéticos, Rühli pesquisa as transformações do corpo humano ao longo da história e outras mudanças que influenciaram no aumento ou redução de determinadas doenças.


Frank Rühli


— Queremos descobrir mais sobre a história das doenças e, principalmente, como preveni-las — disse ele em entrevista ao Globo.

O GLOBO — Que mudanças no corpo humano o senhor constatou através do estudo das múmias?

Frank Rühli — Nós examinamos mais de 50 múmias de um período entre 2000 a.C até 500 d.C., que mostram como o corpo humano passou por transformações em função do meio-ambiente. Muitas transformações foram causadas por fatores genéticos, mas outras ocorreram em consequência da associação dos fatores genéticos aos ambientais. Um exemplo de uma mudança que ocorreu em função de mudanças do meio-ambiente foi a capacidade de digerir leite depois da infância, que surgiu com um gene há alguns milhares de anos, quando o homem passou a cultivar rebanhos para a produção de leite.

O GLOBO — Essas mudanças foram causadas mais em função do meio ambiente ou o componente genético foi igualmente forte?

Frank Rühli – É difícil definir o papel exato de cada um dos dois fatores. Na minha opinião, foi uma combinação de fatores ambientais e genéticos. Claro que as mudanças registradas na era moderna têm um forte componente ambiental. Nós sobrevivemos hoje a doenças que no passado eram uma sentença de morte. Assim, os critérios da seleção natural não têm o mesmo peso que tinham há mil anos, embora a seleção continue existindo. Embora no passado remoto tenha havido pessoas obesas, hoje as pessoas são em média mais gordas do que antigamente por causa da alimentação rica em calorias. É uma mudança.

O GLOBO — É verdade que doenças como o câncer ocorrem mais atualmente em função do estilo de vida?

Frank Rühli – O câncer ataca mais do que no passado, mas há um outro fator importante: hoje as pessoas atingem uma idade mais avançada. Há cem ou 200 anos, a maioria morria cedo demais e não tinha tempo de contrair a doença. Por outro lado, houve também o aumento do câncer causado por mudanças do estilo de vida, como o câncer de mama, já que hoje as mulheres têm menos filhos, amamentam menos (ou nem chegam a amamentar) e ainda usam hormônios, o que aumenta as chances da doença.

O GLOBO — O senhor confirma o aumento da incidência da doença espinha bífida oculta, uma doença congênita que causa paralisia?

Frank Rühli – Há uma tendência de aumento da incidência dessa doença, apesar das medidas preventivas, como o ácido fólico que é prescrito para as mulheres grávidas. Mas não há ainda uma explicação para a tendência.

O GLOBO — Quanto às mudanças do corpo humano, é verdade que houve uma fragilização dos ossos e redução também da massa muscular?

Frank Rühli – Houve uma mudança da forma do corpo humano, que tornou-se mais delicada, com menos massa muscular. Houve também uma fragilização dos ossos. Nós fizemos um estudo sobre densidade óssea ao longo da história que confirma essa tendência, iniciada há milhares de anos.

O GLOBO — As pessoas passaram a ter uma altura maior?

Frank Rühli – Isso foi comprovado no estudo das múmias mas também na pesquisa de dados de recrutas do exército suíço. Só nos últimos cem anos, os suíços passaram a ter dez centímetros a mais de altura. Há uma tendência internacional, o que foi possível através de melhor assistência médica e melhor alimentação. Já entre a era das múmias do Egito antigo e outras do Irã ou do Peru e o século XIX não há diferença. Essas múmias tinham uma altura média comparável a dos europeus no século XIX. Nos últimos anos, temos observado uma lentidão no processo de mudança, acho que dentro de dez ou vinte anos vai haver uma parada.

O GLOBO — Doenças como a arterosclerose são um mal moderno ou já existiam há milhares de anos?

Frank Rühli – Entre as múmias do Egito antigo registramos a doença com frequência. A arterosclerose tem causas ambientais, como a alimentação e o comportamento sedentário, mas também causas genéticas. Para a nossa surpresa, a doença já era frequente no Egito antigo, mas não devemos esquecer que as múmias do Egito antigo são de pessoas que faziam parte da elite e, mesmo naquela época, tinham acesso a uma alimentação abundante.

O GLOBO — Qual é o objetivo da atual pesquisa que faz com múmias do sal do Irã?

Frank Rühli – Nós fazemos essa pesquisa com cientistas alemães e iranianos. Examinamos as múmias com tomografia de ressonância magnética e fazemos também exames genéticos para esclarecer as doenças e as circunstâncias nas quais elas viveram, em uma antiga mina de sal na região iraniana de Zanjan, há dois mil anos. Nesse estudo, esperamos descobrir o momento de uma mutação genética importante dos genes que protegem o seu portador da malária, mas tem como efeito uma enzima nas células vermelhas, chamada G6PD, glicose 6- fosfato desidrogenado, que causa anemia.

O GLOBO — Duas das múmias famosas examinadas pelo senhor foram o Ötzi e o faraó egípcio Tutancâmon. Como os descreveria?

Frank Rühli – Ötzi era um homem que vivia em constante contato com a natureza e por isso tinha uma pele bronzeada. Ele era relativamente magro, baixo mas musculoso, o que indica que tinha uma tinha vida movimentada e dura, ascética. De Tutancâmon examinei apenas a tomografia. Nós concluímos que ele não morreu de uma pancada na cabeça. Ele tinha uma fratura na perna mas não sei se ele morreu disso. Em parte, a História sobre o faraó precisará ser reescrita, embora não seja passível provar a causa da sua morte.


Fonte: http://extra.globo.com

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Lucas Ferreira

Natural de Criciúma – SC, Graduado e Pós-Graduado em História pela UNIASSELVI – SC, com ênfase no Antigo Egito. Apaixonado pelos antigos egípcios e desenvolvedor de projetos na área da Egiptologia.

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2 Comentários

    1. Olá Rosangela, tudo bom? Parabéns pela pós em História Antiga e Medieval. Eu tenho alguns livros sobre o assunto, caso seja de seu interesse, entre em contato aqui pelo site ou através do Facebook. Até mais.

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