O dilema do Faraó – Por Zarcillo Barbosa..
Ao custo de quase 300 mortos, milhares de feridos, imprensa e internet censuradas e duas mil prisões efetuadas, Hosni Mubarak viu-se obrigado a renunciar à Presidência do Egito após 30 anos de ditadura. Durante 18 dias insistiu em não sair para evitar o “caos” no seu país. Sarney produziu um gesto parecido ao se decidir por “mais um sacrifício” em benefício dos interesses nacionais, presidindo o Senado. “Pela última vez, heim..” – lembrou, ao acrescentar que “já contribuiu ao longo de uma vida toda dedicada ao Brasil”.
O mesmo argumento do sacrifício pessoal pelo povo foi usado por Ben Ali, aquele que não queria largar o osso na Tunísia e acabou deposto em dezembro pela Revolução do Jasmin. Com razão os norte-americanos costumam dizer que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas” (Patriotism is the last refuge of scoundrel). Hosni Mubarak ascendeu ao poder em 1981, como vice de Anwar Sadat morto durante um desfile militar por radicais islâmicos. Foi uma vingança por ter assinado um tratado de paz com o inimigo histórico, após três guerras contra Israel que só trouxeram destruição, miséria e morte. Pelo menos Sadat recuperou a Península do Sinai, território egípcio tomado pelos judeus. Com a paz pôde iniciar um programa de recuperação econômica que ia bem, até ser morto. Mubarak ficou 30 anos sentado na cadeira graças ao apoio dos Estados Unidos. O Egito continua pobre, corrupto e ignorante. O povo ficou plantado na Praça Tahrir xingando o presidente, recebendo e atirando pedras. “Que as pulgas de mil camelos infestem o meio das pernas da pessoa que pensa em arrasar nosso dia, e que os braços dessa pessoa sejam curtos demais para coçar” – diz uma velha praga árabe.
O ditador permaneceu tanto tempo no poder graças a US$ 1,5 bilhão anuais de ajuda dos Estados Unidos às Forças Armadas. A diplomacia norte-americana guarda aquele princípio muito repetido por Henry Kissinger: “Os Estados Unidos não têm amigos; têm interesses”. Barack Obama teme que os ditadores corruptos, mas pró-Ocidente sejam substituídos por fundamentalistas islâmicos. Em 1963 o matemático e filósofo americano Edward Lorenz, ao falar no MIT sobre a Teoria do Caos apresentou o chamado “efeito borboleta”. De acordo com Lorenz, o bater das asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Tal teoria expressa, de fato, que há uma dependência sensível dos resultados finais às condições iniciais de um dado fenômeno. Em dezembro do ano passado um tunisiano, por não pagar propina teve a sua tenda de quinquilharias destruída pelos fiscais.
Desse pequeno comércio ele e sua família sobreviviam há anos. Cansado de ser humilhado pelas autoridades e das privações diárias ateou fogo ao próprio corpo em praça pública. O gesto desesperado do tunisiano – o bater de asas – foi responsável pela cadeia de eventos que varre atualmente o mundo árabe e já derrubou os ditadores da Tunísia e do Egito. Até onde vão os efeitos do ruflar das asas da borboleta ninguém sabe: pode atingir o Iêmen, a Jordânia e a Argélia, quem sabe chegar a Cuba. Sexta-feira 50 mil mulheres italianas fizeram uma manifestação contra a permanência do pedófilo Sílvio Berlusconi como primeiro ministro de um país de tradição católica e conservadora. Todos os dias explodem escândalos sexuais contra esse homem de cabelos implantados e tingidos.
A esta altura da vida deveria estar cuidando dos netos e não a correr pelado na sua mansão da Sardenha atrás de mocinhas pubescentes. O dinheiro e milagrosos fármaco químicos tornaram possíveis o sexo a despeito da cabeça esclerosada. O último rei do Egito, Farouk, quando foi deposto em 1951 prognosticou que com a modernização da sociedade dentro em breve só restariam o rei da Inglaterra e os quatro reis do baralho. Está por pouco.. Para quem já tem dinheiro, o poder faz falta. Isto vale em qualquer cultura e em qualquer tempo. Existe um magnífico poema de Shelley que canta o dilema de Ozymandias, o faraó egípcio. É a descrição de um viajante que se depara com a estátua do antigo faraó; e, na base da estátua, a inscrição plena de vaidade humana: “O meu nome é Ozymandias, rei dos reis :/ contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai!”. A mim, despossuído do dinheiro e do poder só resta pedir a Deu que me ajude a ser a pessoa que os meus cachorrinhos pensam que eu sou.
O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC
Fonte: http://www.jcnet.com.br