Antigo Egito

Chumbo era usado como secante de tintas achadas em papiros egípcios

Os antigos egípcios utilizavam tintas desde pelo menos 3200 a.C., usando tintas pretas para o corpo principal do texto e tintas vermelhas para realçar títulos e palavras-chaves. Em um novo estudo publicado hoje [26/10/20] na PNAS [Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America], um time transdisciplinar de pesquisadores da Universidade de Copenhagen empregou um equipamento de raios-X de radiação síncrotron avançado para investigar tintas preta e vermelha preservadas numa amostra de 12 fragmentos de papiros do Período Romano (c. 100 a 200 d.C.).   

“Nossas análises das tintas nos fragmentos de papiro, da única biblioteca do templo de Tebtunis, revelaram composições previamente desconhecidas de tintas vermelha e preta, particularmente compostos à base de ferro e à base de chumbo”, diz o egiptólogo e primeiro autor do estudo Thomas Christiansen da Universidade de Copenhagen.

Os 12 fragmentos analisados no estudo. Cortesia: PNAS.

A professora de Química e coautora Sine Larsen acrescenta:

“Os compostos à base de ferro das tintas vermelhas são provavelmente ocre – um pigmento natural da terra – porque o ferro era encontrado junto ao alumínio e à hematita, o que ocorre no ocre. Os compostos de chumbo aparecem tanto nas tintas vermelhas como nas pretas, mas, já que não identificamos nenhum dos pigmentos típicos à base de chumbo usados para colorizar a tinta, sugerimos que esse componente de chumbo em particular era usado pelos escribas para secar a tinta e não como um pigmento.”

Uma técnica de secagem à base de chumbo similar era usada na Europa do século XV durante o desenvolvimento da pintura a óleo, e os pesquisadores acreditam que os egípcios devem tê-la descoberto 1400 anos antes e assim poderiam garantir que seus papiros não borrassem ao aplicar essa tinta especial.  Segundo os pesquisadores, a descoberta aponta a necessidade de uma reavaliação dos compostos à base de chumbo achados em tintas no antigo Mediterrâneo, onde técnicas de secagem devem ter se espalhado muito antes do que se acreditava.

Detalhe de um tratado médico de um papiro de Tebtunis (inv. P. Carlsberg 930). Cortesia: The Papyrus Carlsberg Collection.

A produção de tinta era especializada no antigo Egito

Os fragmentos de papiro estudados são parte de manuscritos maiores pertencentes à Coleção Carslberg de Papiros da Universidade de Copenhagen, mais especificamente da biblioteca do templo de Tebtunis, que é a única biblioteca institucional em larga escala sobrevivente do antigo Egito. Os sacerdotes do templo, que escreveram os papiros analisados, provavelmente não produziram a tinta eles mesmos, já que a complexidade delas, especialmente as vermelhas, devem ter requerido conhecimento especializado:

“A julgar pela quantidade de materiais brutos necessários ao abastecimento da única biblioteca do templo de Tebtunis, propomos que os sacerdotes devem tê-las adquirido ou supervisionado sua produção em oficinas especializadas, como faziam os Mestres Pintores do Renascimento”, explica Thomas Christiansen. Ele conclui:

“A microanálise avançada do síncrotron nos forneceu um conhecimento valioso sobre o preparo e a composição das tintas vermelha e preta no antigo Egito e Roma de 2000 anos atrás. E nossos resultados são baseados em evidências contemporâneas dos estabelecimentos de produção de tinta vindas de um feitiço escrito num papiro alquímico grego, que data do século III d.C. Ele faz referência a uma tinha vermelha que era preparada numa oficina. Esse papiro foi achado em Tebas e pode muito bem ter pertencido a uma biblioteca sacerdotal, como os papiros estudados aqui, provendo assim vislumbres das artes alquímicas aplicadas pelos sacerdotes egípcios do período romano tardio.”

European Synchrotron Radiation Facility

Os fragmentos de papiros foram investigados de modo não invasivo, com equipamento de microscopia de raios-X de radiação síncrotron avançado no European Synchrotron Radiation Facility, em Grenoble, como parte do projeto transdisciplinar CoNext – equipamento que tornou possível provar a composição química em escalas milimétrica e submicrométrica e forneceu informação não apenas sobre a composição elementar, mas também sobre a molecular e a estrutural das tintas.

Segundo os pesquisadores, os resultados também serão úteis para fins de conservação, já que o conhecimento detalhado da composição do material ajudaria museus e coleções na preservação de objetos de herança cultural.

Leia o artigo: “Insights into the composition of ancient Egyptian red and black inks on papyri achieved by synchrotron-based microanalysis” no PNAS.

Traduzido de:

EGYPTOLOGY. Inks containing lead were likely used as drier on ancient Egyptian papyri. Faculty of Humanities. University of Copenhagen. 26 Outu. 2020. Disponível em: https://humanities.ku.dk/news/2020/inks-containing-lead-were-likely-used-as-drier-on-ancient-egyptian-papyri/. Acesso em: 06/11/20.

Para saber mais:

CHRISTIANSEN, T.; COTTE, M.; DE NOLF, W. et al. Insights into the composition of ancient Egyptian red and black inks on papyri achieved by synchrotron-based microanalyses. PNAS, 26 Outu. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1073/pnas.2004534117. Acesso em: 06/11/20.

Leitura recomendada:

Luiz Fernando P. Sampaio

Natural de Jacareí - SP, é bacharel e licenciado em História pela Unesp "Júlio de Mesquita Filho", FCHS, Franca - SP. Especializando em História Antiga e Medieval pelas Faculdades ITECNE, Curitiba, PR. Atualmente é professor da rede Estadual de Ensino de São Paulo e na rede privada, ministrando a disciplina de História. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3998141217790326.

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