Saqqara: onde o Egito Antigo é mais antigo
Para o professor Joelza Domingues do blog “Ensinar História Joelza“, o Egito Antigo vai muito além das pirâmides de Gizé e das tumbas do Vale dos Reis que tanto encantam os leigos. É em Sacara, próxima à antiga capital de Mênfis, que se encontram as mais antigas construções funerárias e a maior concentração delas. As escavações arqueológicas ali realizadas estão sempre revelando surpresas aos arqueólogos mostrando que Sacara é uma fonte inesgotável de estudos.
A necrópole de Sacara
Situada cerca de 30 km ao sul da moderna cidade do Cairo, Sacara possui as mais antigas estruturas funerárias do Egito Antigo e serviu como necrópole por quase novecentos anos em uma série ininterrupta de dez dinastias egípcias (2.920-2040 a.C.). Mesmo depois, nunca deixou de ser uma necrópole e teve enterros até 950 d.C. Isso explica porque Sacara, uma área de 6 km de comprimento por 1,5 km na sua maior largura, é o mais atraente e interessante sítio de ruínas do Baixo Egito.
Foi em Sacara que surgiu a primeira estrutura piramidal, construída para o faraó Djoser (2630-2611 a.C., 3ª dinastia). Até então, os túmulos reais eram as mastabas, feitas de tijolos formando um maciço retangular de paredes inclinadas.
Coube a Imnhotep, o arquiteto real, realizar a grande inovação de erguer seis mastabas, umas sobre as outras, com dimensões gradualmente menores que resultaram em uma forma piramidal escalonada. A Pirâmide de Degraus, como ficou conhecida, com 60 metros de altura, foi, também, a primeira feita com blocos de pedra. A estátua de Djoser, de calcário, encontrada em uma sala fechada (serdab) atrás da pirâmide, é a mais antiga estátua de pedra que se conhece do Egito.
O arqueólogo francês Jean-Philippe Lauer (1902-2001) consagrou sua vida à restauração do grandioso complexo funerário de Djoser. Ele demonstrou que as pirâmides não eram obras isoladas mas faziam parte de um conjunto de construções que incluíam templos, capelas, avenidas ou calçadas de acesso, câmaras subterrâneas, pátios além de túmulos de nobres e membros da família real.
O Museu Imnhotep, em Sacara, inaugurado em 2006, dedicou uma galeria em homenagem a Jean-Philippe Lauer exibindo fotografias e anotações de seu trabalho. Lauer começou a trabalhar no complexo de Djoser em 1920, e ali permaneceu o resto de sua carreira, cerca de 75 anos.
Outras surpresas de Sacara
O interior das mastabas de Sacara reserva outras surpresas: suas paredes estão cobertas de relevos finamente esculpidos que mostram cenas da vida cotidiana do Egito Antigo: o trabalho agrícola, a pesca, a caça, dançarinas da corte, homens e mulheres levando oferendas aos deuses, figuras de aves, bois, crocodilos, hipopótamos etc.
Em Sacara situa-se, também, uma necrópole para os animais sagrados, onde se encontram babuínos, falcões, touros e íbis mumificados. O local foi um centro de devoção à deusa Bastet, como revelam as milhares de múmias de gatos que foram encontradas ali. A partir do século VII a.C. cresceu a importância religiosa destes animais e ergueram-se templos dedicados ao seu culto, acompanhados de estruturas residenciais para os sacerdotes.
Foi em Sacara que se descobriu, em 1881, o mais antigo Texto das Pirâmides conhecido. Trata-se de um texto inscrito no interior da pirâmide destinado a ajudar a alma do faraó em sua viagem para o outro mundo. Os textos encontram-se na pirâmide do faraó Unas (Oenas, Unis ou Wenis), último governante da 5ª dinastia e foram gravados nas colunas, nas paredes do corredor e da antecâmara que leva à câmara funerária.
Outros Textos das Pirâmides foram descobertos nas pirâmides da 6ª dinastia, também em Sacara. Diferente dos posteriores Textos Funerários e Livro dos Mortos, os Textos das Pirâmides eram reservados apenas para o faraó e não tinham figuras. Neles encontramos a mais antiga menção a Osíris que se tornaria a divindade mais importante na religião egípcia associada a vida após a morte.
Por sua linguagem poética, carregada de fórmulas mágicas, por vezes, ameaçadoras, os Textos das Pirâmides já foram usados em filmes e músicas. Citações dos Textos das Pirâmides aparecem na ópera Akhenaton (1983), do escritor americano Philip Glass; na canção Unas assassino dos deuses, da banda americana Nilo; no filme O retorno da múmia (2001), de Stephen Sommers quando Imnhotep assopra um frasco cheio de poeira e cita o Texto das Pirâmides transformando a poeira em múmias guerreiras.
É o Antigo Egito ainda fascinando o mundo tecnológico contemporâneo.
Autor: Professor Joelza Domingues