Pão feito com leveduras egípcias antigas por egiptólogo amador e arqueóloga

Os micróbios das leveduras estavam adormecidos por mais de 5.000 anos, enterrados nas profundezas dos poros da cerâmica egípcia, até o momento em que Seamus Blackley chegou e usou-os para produzir um pedaço de pão.

Um egiptólogo amador e um dos inventores do console Xbox, ele também é um hábil padeiro que rotineiramente posta fotos de seus projetos de panificação nas mídias sociais.

Ele admite já ter feito sua cota de “pães horríveis, parecendo pedra”. Mas esse experimento estava numa parcela completamente diferente

O primeiro passo foi extrair a levedura sem destruir os vasos onde eram mantidas. Com a ajuda da arqueóloga Dra. Serena Love, o Sr. Blackley teve acesso às coleções egípcias de vasos de produção de cerveja e pão de dois museus da cidade estadunidense de Boston.

Vasos cerâmicos que continham as leveduras. Cortesia: Seamus Blackley.

E ele recrutou a ajuda do microbiologista Richard Bowman, um candidato a PhD na Universidade de Iowa, a fim de extrair e identificar a cepa da levedura.

O Sr. Bowman injetou nutrientes dentro das cerâmicas, alimentando as leveduras dormentes e extraindo o líquido resultante. A maior parte das amostras foram enviadas para análise laboratorial, mas o Sr. Blackley ficou com uma delas.

Usando água, grãos antigos e containers esterilizados, ele cultivou as bactérias starter por uma semana.

Cultivo inicial das leveduras. Cortesia: Seamus Blackley.

A fim de se aproximar o máximo possível do que os egípcios teriam reconhecido como um pão, o Sr. Blackley alimentou as leveduras com grãos moídos por ele, de cevada e triticum monococcum, uma forma primitiva de trigo domesticada há cerca de 10.000 mil anos atrás.

“Enquanto essa cultura estava adormecida, o trigo moderno foi inventado”, explicou Blackley. A mais antiga das pirâmides de Gizé foi construída por volta de 4.500 anos atrás – nessa altura, essa cepa de levedura já tinha cerca de 700 anos de idade.

“Tem um cheiro diferente das bactérias starters modernas”, afirmou ele. “As bolhas eram menores: menos pungentes, mas, mais ativas”.

Mas como qualquer padeiro de massa sourdough lhe dirá, leveduras estão no ar e precisam apenas de um hospedeiro adequado ou um starter para se multiplicar. Então como ter certeza de que essa realmente era uma levedura egípcia, e não alguma intrusa moderna?

Experimentos anteriores haviam usado amostras de leveduras raspadas das superfícies dos vasos, mas essas poderiam se contaminar facilmente. Um experimento israelense foi bem-sucedido em extrair levedura do interior, mas usando apenas métodos destrutivos dos vasos.

Para excluir a possibilidade de contaminação, as amostras de leveduras foram enviadas para sequenciamento de genoma. Algumas cepas modernas de leveduras já foram sequenciadas, tornando possível identificar marcadores de modernidade.

Bowman admite que se surpreendeu ao pegar os resultados da primeira amostragem tão rapidamente, mas a habilidade das leveduras de permanecer adormecidas são bem conhecidas.

“A cultura pode ficar inativa e ser trazida novamente”, disse ele à BBC. “Leveduras são criaturas muito robustas”.

Os grãos antigos são mais difíceis de se trabalhar, porque contêm muito pouco glúten, mas Blackley diz que a levedura “os amou”: “Eles criaram uma estrutura legal e um miolo que se parecei com bolo – muito macio”.

Massa e forma usadas para produção do pão. Cortesia: Seamus Blackley.

O pão tinha um aroma de caramelo – mais doce do que uma massa sourdough moderna. Blackley marcou a massa em crescimento com um hieróglifo representando uma fatia de pão.

Esse pão foi assado num forno convencional, mas como a arqueóloga Dr. Love explica, os antigos egípcios assavam em potes de cerâmica aquecidos.

Pão com o sinal hieroglífico de “pão”. Cortesia: Seamus Blackley.

No estágio seguinte do projeto, ela e Blakeley trabalharão com ceramistas para recrear potes ao estilo dos antigos egípcios e começar a assar com eles.

A equipe de pesquisa improvável já teve permissão de mais um museu para extrair amostras de levedura e já abordaram outras duas coleções.

A ideia é coletar amostras de levedura dos Antigo, Médio e Novo Impérios, que são separados cada um por cerca de 500 a 700 anos, e assar com todas elas.

Variedades de pães (abaixo), parede Norte da tumba de Ty, V Dinastia, c. 2450-2350 a.C., em Saqqara. Foto: Luiz Fernando Pina Sampaio, Jan. 2019.

O Sr. Bowman sequenciará os genomas para rastrear a deriva genética através dos séculos.

“Isso é exatamente o tipo de coisa que a arqueologia pretende fazer”, se entusiasma a Dr. Love. Todavia, ela acrescenta: “Isso está baseado na ciência. Será publicado numa revista acadêmica ”.

Então existe algum plano para desenvolver as leveduras antigas para uma maior audiência?

Ofertante levando pães (centro), parede Sul da tumba de Ty, V Dinastia, c. 2450-2350 a.C., em Saqqara. Foto: Luiz Fernando Pina Sampaio, Jan. 2019.

“Eu estava falando para minha noiva sobre isso – ela ficou toda quieta, mas ela trabalha com marketing e estava tentando descobrir um modo de comercializar isso”, disse Bowman. “Gostaríamos de fazer algo para vender isso – talvez colecionar antigas receitas”.

De sua parte, o Sr. Blackley – que estudou hieróglifos o suficiente para estar apto a traduzi-los – defende os antigos egípcios das calúnias sobre os métodos de cozimento deles.

“Essa era uma grande civilização e tradição gastronômica. O faraó era o imperador de toda a terra conhecida. Agora podemos recriar os métodos deles e partilhar o pão com eles.”

Traduzido de:

KROEGER, A. The ancient Egyptian yeasts being used to bake modern bread. BBC News, 7 Augu. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-49262255. Acesso em: 09/08/19.

Indicação bibliográfica:

BRESCIANI, E. Alimentos e bebidas do Antigo Egito In: FLANDRIN, J.-L.; MONTANARI, M. História da Alimentação. 8. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2015.

STROUHAL, E. A vida no antigo Egito. Barcelona: Folio, 2007.

TALLET, P. A culinária no Antigo Egito. Barcelona: Folio, 2006.

Leitura recomendada:



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Luiz Fernando P. Sampaio

Natural de Jacareí - SP, é bacharel e licenciado em História pela Unesp "Júlio de Mesquita Filho", FCHS, Franca - SP. Especializando em História Antiga e Medieval pelas Faculdades ITECNE, Curitiba, PR. Atualmente é professor da rede Estadual de Ensino de São Paulo e na rede privada, ministrando a disciplina de História. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3998141217790326.

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